EXTRA ECCLESIAM NULLA SALUS

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Dica de Leitura: RELIGIÃO E CIÊNCIA NO RENASCIMENTO


Embora sejam pensadas como opostas atualmente, na verdade Religião e Ciência estiveram imbricadas por um longo período. O gérmen da razão costuma ser depositado na Grécia Antiga e no Renascimento. Mas, especialmente em relação a este último, é comum vermos nos manuais de história uma definição que assim poderia ser resumida: no Renascimento surge uma mentalidade preocupada com a razão, uma mentalidade completamente oposta à dos medievais, que, devido a sua visão estritamente teocêntrica, tendia a recorrer aos mitos para explicar os fenômenos naturais. É sobre a inautenticidade desta afirmação que se baseia a obra de Klass Woortman, Religião e ciência no Renascimento, publicada pela editora da Universidade de Brasília. Woortman mostrará como a religião, mais especificamente a magia, pode ter sido a mola propulsora para os desenvolvimentos técnicos tanto do Renascimento quanto de épocas posteriores. Segundo o autor,

se a ciência e a religião são hoje, em boa medida, pensadas como opostas, a ciência ocidental constituiu-se no interior do campo teológico, ou pelo menos em estreita relação com ele, e o Renascimento é um momento privilegiado para o exame desse processo (WOORTMAN, 1997, p. 11)

Para Woortman, grandes nomes da ciência, como Copérnico, Newton e Kepler, embora tivessem dado independência ao pensamento científico, partiram, muitas vezes, de princípios místicos (1997, p.15).
Enganam-se muito os que pensam que os pensadores renascentistas eram desprovidos de sentido místico. Após a derrocada a filosofia aristotélico-tomista, ressurge nos séculos finais da Idade Média, um vivo interesse pelo neoplatonismo e pela magia. Segundo Woortman, “O ressurgimento do platonismo reforçava a confusão entre espírito e matéria. O mundo possui uma alma que opera incessantemente sobre o universo” (1997, p. 19). Assim, os elementos podiam transformar-se em outros: é aqui que reside o interesse dos alquimistas. Deste modo, atesta Woortman, “a magia espicaçou a imaginação científica” (1997, p. 19).
Os laços entre a teologia e a chamada “filosofia natural” começam a se dissolver lentamente e Woortman chama mesmo a atenção para a tolerância da Igreja em relação às novas descobertas e ao pensamento heterodoxo (1997, pp. 21-23).  Para o autor, “O Renascimento foi, pois, um período de considerável tolerância para com a efervescência intelectual da época” (WOORTMAN, 1997, p. 24). Embora este período seja amiúde retratado como “antropocêntrico”, Woortman afirma que “No pensamento moderno a natureza é mais determinante que o homem” (1997, p. 27). O que trará conseqüências funestas nos séculos subseqüentes.
O autor constata taxativamente que “havia, pois, uma aliança entre a matemática e o misticismo” (WOORTMAN, 1997, p. 34). Afinal, mesmo descobertas importantes de Copérnico e Kepler, por exemplo, não eram baseadas em dados empíricos, já que eram refutadas pelas tecnologias então disponíveis, mas em crenças mágicas.

Sob tais influências, Copérnico desenvolveu um ponto de vista de que o Universo é inteiramente composto de números. Em decorrência, tudo que fosse matematicamente verdadeiro seria também astronomicamente verdadeiro. O princípio da relatividade dos valores aplicava-se tanto ao domínio humano quanto a qualquer outra parte do mundo astronômico. A “...nova visão do mundo não era mais que uma redução matemática...em um sistema simples, belo e harmonioso, com o encorajamento propiciado pelo platonismo (WOORTMAN, 1997, p. 34).

No entanto, as críticas à filosofia aristotélico-tomista já se faziam notórias antes da Renascença. Como exemplo, temos o nominalismo de Guilherme de Occam e diversas especulações que punham em xeque a conceituada explanação ptolomaica da astronomia, como a Nicolau de Oresme, que mostrara através de argumentos físicos que é a Terra que se move em torno do Sol, não o contrário. Portanto, “bem antes de Copérnico, e mais ainda de Galileu, portanto, já circulavam idéias ‘modernas’ formuladas por teólogos, sem maiores oposições por parte da Igreja” (WOORTMAN, 1997, p. 39). O que apenas realça a tese de que Galileu não fora condenado por suas descobertas, mas por seu temperamento.
Contudo, as novas especulações astronômicas não deixaram de exercer influência nas outras áreas do pensamento. “Tudo é colocado em dúvida; talvez tenha sido este o sentido do Renascimento, época das audácias. O homem não tem mais o que o dirija; talvez essa tenha sido a revolução” (WOORTMAN, 1997, p. 54. Destaque do autor). Daqui pode-se depreender, entre outras coisas, o êxito da Revolução Protestante, que, com a Revolução Francesa e a Revolução Russa, terminaria por enterrar definitivamente o modus vivendi medieval. Voltando ao Renascimento, perceberemos que se o homem descobre que no céu as coisas podem não ser conforme lhe haviam ensinado até então, ao mesmo tempo lança um olhar desconfiado para a Terra. Aqui começam as Navegações, a era das grandes descobertas e do redesenho do mapa mundi do período.

O duplo descentramento do mundo, trazido pela astronomia copernicana e pela geografia pós-colombiana teve, efeitos radicais. Era inevitável que a visão do mundo e a visão do Homem se transformassem de maneira fundamental, e que a noção de cristandade se abrisse à de humanidade, sugerindo o surgimento de uma nova ciência do Homem. Mas essa transformação na concepção do Homem, do mundo e do Homem no mundo estava estreitamente ligada, ainda, a uma revolução que tomava lugar no interior mesmo do campo religioso. Por isso, é preciso reter o significado que teve a Reforma, mesmo porque com ela surge outro descentramento: o cristianismo torna-se plural, possibilitando, entre outras coisas, a noção moderna de religião. E Roma deixou de ser o centro único da cristandade ocidental. O surgimento de um novo cristianismo teve efeitos sobre a concepção de ciência (WOORTMAN, 1997, p. 67)

Ora, sendo o Homem o centro de todas as coisas, é natural que o homem passasse a buscar o divino em si, que não mais dependesse da estrutura externa da Igreja. É assim que surge o protestantismo com a sua mentalidade de que o homem pode ter uma relação única e pessoal com Deus, independentemente de práticas externas. Esta mentalidade levou gradualmente à idéia de religião natural, uma espécie de deísmo, e depois ao ateísmo.
Mas se é verdade que “ciência e esoterismo combinados também povoaram o Renascimento (...)” (WOORTMAN, 1997, p. 70), então o protestantismo não pode ter escapado da influência da magia e da mentalidade renascentista quando de sua gênese nos idos do século XVI.

A Reforma, ainda que oposta de várias maneiras a certas manifestações do Renascimento, notadamente seu humanismo, não pode ser compreendida senão com relação ao espírito das audácias do século XVI. Ela foi parte do contexto de idéias renascentista que incluía desde a nova ideologia econômica, o nascente individualismo, os descobrimentos, a nova concepção de ciência, o humanismo e a revisão teológica. (WOORTMAN, 1997, pp. 93 – 94).

Por exemplo, 

o calvinismo foi em vários sentidos um retorno ao antigo judaísmo, mas de forma um tanto paradoxal: combatia a magia, mas terminou por estimular uma perspectiva mecânica do mundo e dos infortúnios, tal como a própria magia (WOORTMAN, 1997, p. 70)

E tratando especialmente do calvinismo, Woortman nota que o mesmo era uma espécie de adaptação teológica à mentalidade econômica e científica da época (WOORTMAN, 1997, p. 74) que acabou por se tornar extremamente intolerante.
Ademais, quando o homem começa a olhar cada vez mais para as realidades físicas e menos para as espirituais, o que se dá é uma perda da compreensão dos símbolos que remetem à transcendência.  Daí o protestantismo ser iconoclasta e contrário a gestos e ritos. O protestantismo recusa a matéria e quer apenas o espiritual. Ele não compreende que é através do mundo material que se chega ao espiritual. No mais, “a Reforma luterana representa o sucesso das heresias nacionais de Huss e Wycliff, tendo ocorrido quando estas duas já estavam extintas” (WOORTMAN, 1997, p. 94).
E para não nos esquecermos de que retorno ao paganismo do período da Renascença implicava em uma recontextualização da magia, Wortman diz:

No contexto renascentista, magia e ciência haviam avançado juntas; uma visão de mundo mística impulsionou a formulação de modelos teóricos sobre o mundo, que seriam retrospectivamente vistos, a partir do século XVII racionalista, como puramente "científicos" (1997, p. 77).

E embora tenha sido omitido o caráter mágico e influências herméticas nos estudos que posteriormente seriam atribuídas a conquistas científicas, pois, conforme Tambiah, “a ciência moderna, em sua marcha vitoriosa, ocultou o passado imediato, e as omissões conscientes de uma geração tornaram-se a amnésia genuína da geração seguinte” (apud WOORTMAN, 1997, p. 111), as descobertas do Renascimento eram, em sua essência, frutos de cosmovisões ocultistas.

O hermetismo do século XVI e o pensamento dos magi foram elaborações criativas, preocupadas com a solução de problemas que também vieram a ocupar as especulações dos cientistas. O ocultismo também aspirava à síntese racionalista, estimulando a imaginação de Copérnico, Galileu, Kepler, Huygens, Newton e outros (WOORTMAN, 1997, p. 112).

A própria questão do Heliocentrismo em Copérnico nada tinha de físico, mas muito de místico. O Sol era entendido por Copérnico como aquele que dá vida ao mundo, daí a necessidade de ele estar no centro. O mesmo pode ser dito de Kepler, pois “se ele foi o fundador da ciência exata moderna, era também um adorador do Sol. Aceitou e defendeu a teoria copernicana porque atribuía divindade ao Sol” (WOORTMAN, 1997, p. 115).
Sob o plano filosófico, o Renascimento faz surgir o individualismo em oposição à idéia de grupo corrente na Idade Média. Dado que através de elementos mágicos e por si só, o homem era capaz de dominar a natureza e de se relacionar intimamente com Deus, ele acabava por se centrar cada vez mais em si mesmo. Além de pôr tudo em dúvida, como era comum no clima de incertezas de seu tempo, Descartes,

foi um dos construtores intelectuais do individualismo moderno. A ênfase do cogito cartesiano está no eu: "...o pensamento, sou eu que lhe dou continuidade, que o desenvolvo". Mas foi também o produto dos processos mais gerais, na direção da autoconsciência, desencadeados no Renascimento” (WOORTMAN, 1997, p. 138).

Assim, nem a religião, nem a ciência, nem a filosofia surgidas do Renascimento escaparam à influência da magia e do ocultismo.

REFERÊNCIA:

Woortmann, Klass. Religião e ciência no renascimento. Brasília – Editora Universidade de Brasília, 1997.

Autor: William Bottazzini 


quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Da Tradição da Igreja: Uma análise de Dom Rifan




Por Dom Fernando Rifan

Algumas pessoas têm perguntado sobre a participação ocasional e a eventual concelebração minha e de alguns dos nossos padres nas Missas celebradas no Rito de Paulo VI, isto é, na forma ordinária atual do Rito Romano. 

A grande maioria dos católicos, com bom senso, compreende perfeitamente que, embora em nossa Administração Apostólica se conserve a liturgia romana no seu uso mais antigo, seja normal que, em determinadas ocasiões, o Bispo e seus sacerdotes possam concelebrar a santa Missa na forma atual, usada habitualmente pelo Papa e por toda a Igreja do rito romano; normal, correto e bom, porque demonstra que somos católicos em plena comunhão com toda a Igreja.

Alguns, no entanto, insinuam que esta presença representaria uma traição à Tradição, quase uma apostasia, uma renúncia a todas as críticas que foram feitas e que se possam fazer à Reforma Litúrgica e todas as suas conseqüências, uma aprovação de tudo que acontece hoje nas Missas, uma abertura ao “progressismo” e, pior, que isso faria parte de um “acordo” prático, não doutrinário, com a Santa Sé. Dada a maldade das suspeitas, insinuações e falsas conclusões, que vão muito além do alcance dos fatos e das intenções e que poderiam abalar pessoas desavisadas, explico a razão doutrinária do nosso proceder, segundo a doutrina católica, e renovo a nota de esclarecimento que já foi emitida em outra ocasião e as explicações já dadas à saciedade em minha Orientação Pastoral sobre o Magistério vivo da Igreja e no meu livro “Considerações sobre as formas do Rito Romano” (cf. www.adapostolica.org). 

No que diz respeito à concelebração, o Magistério da Igreja ensina: “a concelebração, que manifesta bem a unidade do sacerdócio, tem sido prática constante até ao dia de hoje, quer no Oriente quer no Ocidente (Sacr. Conc., 57, § 1). 

O Papa Bento XVI, na carta de 16 de junho de 2009, em que proclama o Ano Sacerdotal, recorda o ensinamento do Beato João Paulo II de que a comunhão eclesial se manifesta na concelebração eucarística. O mesmo ele repete na carta de 27 de maio de 2007 à Igreja da China, que a concelebração eucarística é sinal de comunhão na Igreja. Essa é uma das razões pelas quais é proibido concelebrar com padres e bispos que não estejam em comunhão com a Sé de Pedro (cf. João Paulo II, Enc. Ecclesia de Eucharistia, 44). 


Na instrução “Eucharisticum Mysterium” (nº 47), de 25 de maio de 1967, da Sagrada Congregação dos Ritos, dada no tempo ainda da Missa na forma antiga, aprovada pelo Papa e confirmada pela sua autoridade, explica-se a razão doutrinária da concelebração: “Pela concelebração da Eucaristia manifesta-se, apropriadamente, a unidade do sacrifício e do sacerdócio... Além disso, a concelebração simboliza e estreita os vínculos fraternos entre os presbíteros, pois em virtude da comum e sagrada ordenação e missão, estão unidos entre si por íntima fraternidade... Convém que os sacerdotes celebrem a Eucaristia daquele modo sublime...”. 

No decreto “Animarum bonum” de fundação da nossa Administração Apostólica, de 18 de janeiro de 2002, no inciso VI, § 1, se lê: “Os presbíteros e diáconos que até o momento pertencem à União São João Maria Vianney incardinam-se na Administração Apostólica. O Presbitério da Administração é constituído de presbíteros incardinados. Os clérigos por todas as razões pertencem ao clero secular, daí a necessidade de estreita unidade com o Presbitério Diocesano de Campos”. Esta norma, dada pela Santa Sé, foi estabelecida desde a criação da Administração Apostólica. 

Segundo esses ensinamentos e o costume atual na Igreja, a concelebração vem a ser um sinal habitual de comunhão. Não é obrigatória, mas recusá-la sistematicamente, por princípio, pode ser indício de não estar em plena comunhão. Por isso, o único sinal de unidade sempre proibido (cânon 908) a um padre oriental não católico, é de concelebrar com um padre católico e reciprocamente, porque tal ato seria o sinal da plena comunhão, não somente sacramental, mas hierárquica, pois se trata de comunhão no sacramento da Ordem. Julgar que não existe nenhuma circunstância em que se pudesse concelebrar segundo o novo rito leva a crer que se pense que a concelebração no novo rito seja intrinsecamente um pecado. Mesmo no Ocidente, ao menos a partir do século XIII, a concelebração, ao menos cerimonial, foi um sinal, às vezes obrigatório, de comunhão com o Bispo local, quando se está no mesmo território que ele. 

A Instrução acima citada “Eucharisticum Mysterium” (nº 43) também ensina: “Na celebração da Eucaristia, também os presbíteros, em virtude de um sacramento especial, a Ordem, sejam designados para uma função que lhes é própria. Pois também eles, “como ministros da liturgia, sobretudo no Sacrifício da Missa, representam, de maneira especial, a pessoa de Cristo. Portanto, é conveniente que, por motivo do sinal, eles tomem parte na santa Eucaristia, exercendo a função de sua ordem, isto é, celebrando ou concelebrando a santa Missa e não apenas recebendo a comunhão, como leigos”. 

Lembrando a aplicação prática dessa doutrina, o Cardeal Dom Dario Castrillón Hoyos, presidente da Pontifícia Comissão Ecclesia Dei, no dia 30 de maio de 2008, nos Estados Unidos, no sermão da Missa de Ordenação de padres da Fraternidade São Pedro: “Irmãos, mostrai um profundo respeito pela forma ordinária do Rito Romano concelebrando com vosso Bispo na Missa Crismal da Quinta-Feira Santa; é conveniente de modo particular este sinal de comunhão sacerdotal” (La Croix de 2 de junho de 2008).

Na homilia por ocasião da sua visita à Paróquia São Francisco de Paula de Toulon, na França, de 6 a 7 de dezembro de 2008, o mesmo Cardeal Castrillon ensina aos católicos ligados à liturgia tradicional: “... Mas os fiéis também têm um papel pessoal a desempenhar na abertura necessária da liturgia tradicional. O Papa não deseja que vós vos desligueis da vida de vossa diocese, mas que estejais aí bem inseridos e participeis, sob o impulso de vossos pastores, das grandes atividades da diocese. A concelebração em torno de vosso Bispo, do qual os padres são os primeiros colaboradores, é um dos sinais de comunhão, entre outros; o fato de que vós a pratiqueis em certas ocasiões não pode senão alegrar o Santo Padre. Eu encorajo os vossos padres a continuar neste verdadeiro espírito de caridade eclesial”. 

Com relação a minha posição como Bispo, aproveito aqui a ocasião para recordar o ensinamento teológico do caráter colegial do ministério episcopal: “Esta união colegial entre os Bispos funda-se conjuntamente sobre a ordenação episcopal e a comunhão hierárquica; toca, pois a profundidade do ser de cada Bispo e pertence à estrutura da Igreja como foi querida por Jesus Cristo. De fato, ele é constituído na plenitude do ministério episcopal pela consagração episcopal e pela comunhão hierárquica com a Cabeça do Colégio e com os membros, isto é, com o Colégio que sempre inclui a Cabeça. É desta forma que se torna membro do Colégio Episcopal, pelo que as três funções recebidas na ordenação episcopal – santificar, ensinar e governar – devem ser exercidas em comunhão hierárquica, embora de modo distinto pela sua diversa finalidade imediata. Isto constitui o chamado ‘afeto colegial’ ou colegialidade afetiva, de que deriva a solicitude dos Bispos pelas outras Igrejas particulares e pela Igreja universal... Esta natureza colegial do ministério apostólico é querida pelo próprio Cristo. Por isso, o afeto colegial ou colegialidade afetiva vigora sempre entre os Bispos como communio episcoporum, mas é só em alguns atos que se exprime como colegialidade efetiva... A unidade do episcopado é um dos elementos constitutivos da unidade da Igreja...” (Bem-aventurado João Paulo II, Ex. Apost. Pastores Gregis, 8). 

Por tudo isso, por ser um bispo católico em situação canônica regular, membro do Episcopado católico, em comunhão com o Santo Padre o Papa, devo demonstrar na prática essa plena comunhão, especialmente em certas ocasiões, na celebração da Santa Missa. Nossa participação e concelebração, portanto, se deve a princípios doutrinários e não apenas à diplomacia, boa convivência e muito menos conivência com erros.


Em nossa Administração Apostólica, como dissemos, por faculdade a nós concedida pela Santa Sé, conservamos o rito da Missa na antiga forma ou forma extraordinária do Rito Romano. Aliás, também o conservam e utilizam muitas congregações religiosas, grupos e milhares de fiéis em todo o mundo, com a diferença de que nós não somos um grupo ou uma Congregação Religiosa, mas sim uma Administração Apostólica, ou seja, uma circunscrição eclesiástica criada pela Santa Sé, equiparada a uma diocese (cânon 368), uma porção do povo de Deus, cujo cuidado pastoral foi confiado a um Bispo, Administrador Apostólico, que a governa em nome do Sumo Pontífice (cânon 371 §2). O Papa vem a ser, portanto, o real Pastor dessa porção do rebanho de Cristo, que é a Administração Apostólica.

Nós amamos, preferimos e conservamos a liturgia romana na sua forma mais antiga por ser, para nós, melhor expressão litúrgica dos dogmas eucarísticos e sólido alimento espiritual, pela sua riqueza, beleza, elevação, nobreza e solenidade das cerimônias, pelo seu senso de sacralidade e reverência, pelo seu sentido de mistério, por sua maior precisão e rigor nas rubricas, apresentando assim mais segurança e proteção contra abusos, não dando espaço a “ambigüidades, liberdades, criatividades, adaptações, reduções e instrumentalizações”, como lamentava o Beato Papa João Paulo II (Enc. Ecclesia de Eucharistia, 10, 52, 61). Por ser uma das riquezas litúrgicas católicas, exprimimos através da Missa na sua forma ritual romana mais antiga o nosso amor pela Santa Igreja e nossa comunhão com ela. Conservamos o venerável rito de São Pio V, mas “cum Petro et sub Petro”, em plena comunhão. E a Santa Sé reconhece essa nossa adesão como perfeitamente legítima, concedendo-nos essa liturgia como própria de nossa Administração Apostólica. Assim, graças a Deus e à Santa Sé, nossos sacerdotes e fiéis podem se unir à Igreja e celebrar o culto divino com esse tesouro litúrgico da Igreja, que é a forma ritual antiga do Rito Romano.

Mas há que se conservar a adesão à tradição litúrgica sem pecar contra a sã doutrina do Magistério e sem jamais ofender a comunhão eclesial. Como escrevi na minha primeira mensagem pastoral de 5 de janeiro de 2003: “Conservemos a Tradição e a Liturgia tradicional, em união com a Hierarquia e o Magistério vivo da Igreja, e não em contraposição a eles”. Jamais, pois, se pode usar a adesão à Liturgia tradicional em espírito de contestação à autoridade da Igreja ou de rompimento de comunhão. 

Ensina-nos o Bem-aventurado João Paulo II: “A diversidade litúrgica pode ser fonte de enriquecimento, mas pode também provocar tensões, incompreensões recíprocas e até mesmo cismas. Neste campo, é claro que a diversidade não deve prejudicar a unidade. Esta unidade não pode exprimir-se senão na fidelidade à fé comum ... e à comunhão hierárquica” .

Não seria válido, correto nem única razão para se celebrar ou assistir à Missa no rito mais antigo o motivo de se considerar a Nova Missa, isto é, o Novus Ordo Missae, a Missa promulgada pelo Papa Paulo VI, como inválida, ou ilegítima, heterodoxa e, portanto, ilícita. Os sérios e graves motivos doutrinários e práticos que demos acima são suficientes para a nossa adesão à Missa tradicional como nos concedeu a Santa Sé, sem necessitar recorrer a esse argumento que, aliás, seria falso e injusto. E só a verdade e a justiça devem ser a nossa norma nesta luta. Somente a verdade nos fará livres (Jo 8,32). 


O fato de termos, em nossa Administração Apostólica, a liturgia de São Pio V como forma ritual própria, conforme nos concedeu a Santa Sé, não significa que não se possa nunca participar da Missa na forma atual, considerando-a assim, na prática, como se fosse inválida, ilegítima ou ilícita, isto é, pecaminosa. 

Muitos teólogos e liturgistas, assim como nós, fizeram críticas e tiveram reservas à reforma litúrgica, mas sempre dentro dos limites permitidos pela doutrina católica, dogmática e canônica, e no respeito ao Magistério da Igreja. Esses limites, impostos pela teologia católica às reservas e críticas, nos impedem, assim, de dizer que a Nova Missa seja heterodoxa, ilegítima ou não católica.

Porque se, na teoria ou na prática, considerássemos a Nova Missa, em si mesma, como inválida, sacrílega, heterodoxa ou não católica, pecaminosa e, portanto, ilegítima, deveríamos tirar as lógicas conseqüências teológicas dessa posição e aplicá-la ao Papa e a todo o Episcopado residente no mundo, isto é, a toda a Igreja docente: ou seja, sustentar que a Igreja oficialmente possa promulgar, tenha promulgado, conserve há décadas e ofereça todos os dias a Deus um culto ilegítimo e pecaminoso – proposição reprovada pelo Magistério - e que, portanto, as portas do Inferno tenham prevalecido contra ela, o que seria uma heresia. Ou então estaríamos adotando o princípio sectário de que só nós e os que pensam como nós somos a Igreja e que fora de nós não há salvação, o que seria outra heresia. Essas posições não podem ser aceitas por um católico, nem na teoria nem na prática. Pela teologia católica, a Igreja, pela sua infalibilidade e indefectibilidade, não pode promulgar oficial e universalmente um rito não católico ou prejudicial às almas e, por isso mesmo realmente não o fez.

Ademais uma participação da Missa celebrada na sua forma ordinária não vem significar absolutamente que estejamos aprovando abusos e profanações que ocorrem até com certa freqüência em Missas celebradas no novo rito, “deformações na Liturgia”, na expressão do Papa, “no limite do suportável” , lamentados por ele e por nós.


Também não arrefeceu e continua o nosso combate contra as heresias litúrgicas tais como a negação da presença real de Cristo na Eucaristia, a transformação da Missa numa simples ceia, a negação ou o encobrimento do caráter sacrifical e propiciatório da Santa Missa, a confusão entre o sacerdócio ministerial e o sacerdócio comum dos fiéis, a dessacralização da sagrada Liturgia, a falta de veneração, de adoração e de modéstia nos trajes no culto divino, a mundanização da Igreja, etc.

Não é nossa intenção aqui fazer a apologia da reforma litúrgica nem analisar e questionar completamente todos os seus aspectos, mas sim defender o Magistério e a indefectibilidade da Igreja, que continua perene, mesmo com os atuais desastres a que possa ter dado azo a reforma litúrgica. O nosso propósito específico aqui é combater o equívoco doutrinário dos que consideram a nova Missa, como foi promulgada oficialmente pela hierarquia da Igreja, como sendo pecaminosa e, portanto, impossível de ser assistida sem se cometer pecado, e o conseqüente erro prático dos que atacam aqueles que, em determinadas circunstâncias, por dever de ofício ou demonstração de comunhão, dela participam ou a concelebram, como se eles tivessem cometendo uma ofensa a Deus. 

A Missa de Paulo VI – a chamada “Nova Missa” - é hoje a forma ritual oficial da Igreja latina, celebrado pelo Papa e por todo o Episcopado Católico. O Santo Padre o Papa Bento XVI afirma: “É preciso antes de mais afirmar que o Missal promulgado por Paulo VI e reeditado em duas sucessivas edições por João Paulo II obviamente é e permanece a forma normal – forma ordinária – da Liturgia Eucarística” da Liturgia romana da Igreja Católica (Carta aos Bispos que acompanha o Motu Proprio Summorum Pontificum ).

A Igreja tem poder de criar e modificar os seus ritos. Assim, sobre “o poder da Igreja sobre a administração do sacramento da Eucaristia”, o Concílio de Trento declara expressamente que “a Igreja sempre teve o poder de, na administração dos sacramentos, salva a substância deles, determinar e mudar aquelas coisas que julgar conveniente à utilidade dos que os recebem ou à veneração dos mesmos sacramentos, segundo a variedade das coisas, tempos e lugares” (Sessão XXI, cap. 2 – Denz-Sh 1728). 

É dogma de Fé, definido pelo Concílio Ecumênico Vaticano I, que “esta Sé de São Pedro permanece imune de todo erro, segundo a promessa de Nosso Divino Salvador feita ao Príncipe de Seus Apóstolos: ‘Eu roguei por ti, para que tua Fé não desfaleça; e tu, uma vez convertido, confirma teus irmãos’ (Lc 22,32)”. Esse mesmo Concílio Ecumênico Vaticano I define que “este carisma da verdade e da fé, que nunca falta, foi conferido a Pedro e a seus sucessores nesta cátedra...” .

Conforme legisla o Direito Canônico, pertence exclusivamente à autoridade da Igreja determinar o que é válido e lícito na celebração, administração e recepção dos Sacramentos, pois eles são os mesmos para toda a Igreja e pertencem ao depósito divino (Cf. C.D.C. cânon 841 ). Seria, portanto, usurpar o lugar da suprema autoridade da Igreja dizer que a Missa no rito romano atual é inválida ou ilícita ou, como alguns dizem, não serve para cumprir o preceito dominical. 

O Santo Padre, o Papa Bento XVI, em sua Carta aos Bispos que acompanha o Motu Proprio Summorum Pontificum, afirma expressamente, como sendo algo óbvio: “Obviamente, para viver a plena comunhão, também os sacerdotes das Comunidades que aderem ao uso antigo, não podem, em linha de princípio, excluir a celebração segundo os novos livros. De fato, não seria coerente com o reconhecimento do valor e da santidade do rito a exclusão total do mesmo”. 

Está claro, portanto, nas palavras do Santo Padre, que se deve reconhecer o valor e a santidade da nova liturgia, e, em conseqüência, não excluí-la totalmente. Fica, pois, esclarecido pelo Santo Padre o Papa Bento XVI que, embora tenhamos como forma ritual própria da nossa Administração Apostólica a Missa na forma antiga do rito romano, a participação dos fiéis ou concelebração de algum dos nossos sacerdotes ou de seu Bispo, em uma Missa numa forma ritual promulgada oficialmente pela hierarquia da Igreja, por ela determinada como legítima e por ela adotada, como é a Missa celebrada na forma do Rito Romano atual, não pode ser considerado como sendo algo mau ou censurável. Nem isso significa a perda da nossa identidade litúrgica, mas sim uma demonstração de comunhão com os outros Bispos, sacerdotes e fiéis, apesar da diferença de forma ritual.

Porque ninguém pode ser católico mantendo-se numa atitude de recusa de comunhão com o Papa e com o Episcopado católico. A Igreja define como cismático aquele que recusa se submeter ao Romano Pontífice ou se manter em comunhão com os outros membros da Igreja a ele sujeitos (cânon 751). Ora, recusar-se continua e categoricamente a participar de toda e qualquer Missa no rito celebrado pelo Papa e por todos os Bispos da Igreja, pela razão de julgar esse rito, em si mesmo, incompatível com a Fé ou pecaminoso, representa uma recusa formal de comunhão com o Papa e com o Episcopado católico.

E a recente instrução “Universae Ecclesiae”, da Pontifícia Comissão Ecclesia Dei, publicada com aprovação e mandato do Papa Bento XVI, estabelece explicitamente: “Os fiéis que pedem a celebração da forma extraordinária não devem apoiar nem pertencer a grupos que se manifestam contrários à validade ou à legitimidade da Santa Missa ou dos Sacramentos celebrados na forma ordinária, nem ser contrários ao Romano Pontífice como Pastor Supremo da Igreja universal”.


O critério de verdade, ortodoxia e procedimento que rege nossa Administração Apostólica, como o deve ser para todo católico, é o Magistério vivo da Igreja, como nos ensina São Pio X: “o primeiro e maior critério da fé, a regra suprema e inquebrantável da ortodoxia é a obediência ao magistério sempre vivo e infalível da Igreja, estabelecido por Cristo columna et firmamentum veritatis, a coluna e o sustento da verdade.” . E o Papa venerável Pio XII também ensina que “a norma próxima e universal da verdade” é o “Magistério da Igreja” , explicando a razão: “Porque para explicar as coisas que estão contidas no Depósito da Fé, não foi aos julgamentos privados que o Nosso Salvador as confiou, mas sim ao Magistério Eclesiástico” .
Assim, o que aqui estamos ensinando baseia-se no Magistério vivo da Igreja, nossa segurança e critério de verdade. 

Os princípios que sempre defendemos, na linha do Magistério da Igreja, a adesão às verdades da nossa Fé e a rejeição aos erros condenados pela Igreja continuam os mesmos. Houve, porém, em outras circunstâncias e em outro contexto, mesmo de nossa parte, comportamentos e afirmações dissonantes das normas e ensino da Igreja. É preciso examiná-las e retificá-las à luz do Magistério perene e vivo da Igreja, que, repetimos, é o critério de verdade e comportamento para o católico. Alguns podem equivocadamente pensar que o que foi feito, dito ou vivido num período de exceção e irregularidade seja o ideal e o normal para um católico. Não! O normal para todo católico é viver de acordo com o Magistério vivo da Igreja e unido e submisso à sua hierarquia. Não se pode apelar para aqueles antigos comportamentos ou afirmações dissonantes do Magistério, como argumento de terem sido adotados ou feitas antes, como se tais atitudes ou afirmações fossem os únicos critérios de verdade, infalíveis e nunca passíveis de correção e melhor expressão. Quantos santos, mesmo doutores da Igreja não erraram em doutrina e em comportamento! Por isso, nos ensina Santo Tomás de Aquino que “devemos nos apoiar, antes, na autoridade da Igreja do que na de Agostinho, de Jerônimo ou de qualquer outro doutor” .

No maior período da crise, muitos enganos de julgamentos foram provocados por afirmações e ações erradas, que víamos generalizadas, difundidas por quase toda a Igreja, muitos das quais, infelizmente, continuam. Graças a Deus, muitos esclarecimentos magisteriais nos foram dados depois. À luz destes, examinamos se houve algum erro ou exagero no passado quanto às questões acima referidas, que, uma vez reconhecidos, devem ser humildemente corrigidos. Se houve alguma falha em comportamento ou expressões, corrigir-se não é nenhum desdouro. Afinal, errar é humano, perdoar é divino, corrigir-se é cristão e perseverar no erro é diabólico. Mas erros podem ser compreendidos e explicados, por má compreensão ou julgamento equivocado, influências, circunstâncias ou fraquezas humanas, mas não justificados. Santo Tomás de Aquino nos ensina: “Não se pode justificar uma ação má, embora feita com boa intenção” . 

Há pouco, no final de setembro passado, estive na visita “ad limina”, visita oficial do Bispo ao Papa, quando fui “conferir o meu evangelho com Pedro” (cf. Gl 1,18; 2,2), e pude ouvir o elogio e apoio do Santo Padre Bento XVI à nossa Administração Apostólica e ao nosso modo de agir e nos conduzir. E, na audiência pessoal privativa com o Santo Padre, recordei com ele que aqui conservamos a Missa na forma antiga do Rito Romano, mas que eu, em certas ocasiões, concelebro com os outros Bispos, como, por exemplo, naquela visita “ad limina”. O Papa se mostrou muito contente de que a situação entre a Administração Apostólica, a Diocese e os outros Bispos esteja em paz. E eu disse: “Santo Padre, em paz e em comunhão”, ao que ele respondeu: “Isso é muito importante!”. É o que nos importa: nosso modo de pensar e agir conferido com Pedro e apoiado por ele. E é o que nos consola, em meio a muitas incompreensões e ataques. Mas, felizmente, temos, além do Santo Padre, muitos amigos, católicos corretos e seguidores da verdadeira Tradição, que nos compreendem e apóiam.

Assim sendo, esperamos ter esclarecido os católicos de boa vontade, especialmente aqueles que nos estão confiados e querem realmente seguir a Igreja “cum Petro et sub Petro”. 

Campos dos Goytacazes, 29 de junho de 2011
Festa de São Pedro e São Paulo – Dia do Papa.
+ Dom Fernando Arêas Rifan

terça-feira, 16 de agosto de 2011

O problema das seitas.





Pe. Inácio José do Vale

Segundo o estudioso dos movimentos religiosos o Padre Oscar Quevedo, SJ, existem, só no Brasil, mais de 56 mil seitas e religiões.

“O problema das seitas que invadem a América Latina impugnando a fé católica de nossas populações é muito grave e, como se depreende dos seguintes dados”:

Na América Latina a cada 400 pessoas abandonam a fé católica. 

Na Guatemala 25% da população já é protestante.

Em El Salvador cerca de 30% dos católicos já passaram para as seitas. 

No México em 1970 os protestantes eram 880.000. Hoje são perto de 5.000.000 (cinco milhões).

“No Brasil também é evidente o avanço das seitas resultante, em grande parte de ataques preconceituosos à Igreja Católica e da ignorância religiosa do povo brasileiro”.

Consciente disto escreve o Papa João Paulo II na Carta Apostólica sobre a Igreja na América: “Os progressos proselitistas das seitas e dos grupos religiosos na América não podem ser contemplados com indiferenças. Exigem da Igreja nesse continente um profundo estudo que se deve realizar em cada nação e também a nível internacional para descobrir os motivos pelos quais não poucos católicos abandonam a Igreja”.

“O remédio a opor a tal problema é a intensificação do estudo das verdades reveladas, especialmente dos pontos controvertidos pelos novos pregadores”, afirma o especialista no assunto, o Teólogo Beneditino Dom Estêvão Bettencurt (1).

Vejamos uma explicação abissal desse grande apologista da fé católica: “A catequese tem-se ressentido de inoportuna timidez, tem aprimorado sua metodologia, mas não raro apresenta um conteúdo muito diluído“para não assustar” os catequizandos. A ignorância religiosa do povo católico torna-o mais sujeito ao arrastão das seitas, cuja pregação não raro deixa o católico perplexo e sem resposta, quando apresentam argumentos inconsistentes. A multiplicidade de propostas religiosas que bombardeiam o povo de Deus, se de um lado, é lamentável, de outro lado tem a vantagem de obrigar os fieis a aperfeiçoar sua formação doutrinaria para não serem carregados pelo vendaval” (2).

PROJEÇÃO

A religiosidade do povo brasileiro aumentou, os evangélicos (pentecostais e tradicionais) continuam cada vez mais numerosos, mas o declínio do catolicismo, que era de 1% ao ano desde 1972, estancou entre 2000 e 2003, e, a partir daí, acompanha o crescimento populacional do país. A esta conclusão chegaram os analistas do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas (FGV), cujo economista-chefe, Marcelo Néri, apresentou recentemente no Rio de Janeiro, o trabalho “Economia das religiões: mudanças recentes”, interpretação dos dados do censo de 2000 e da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF, 2003), realizados pelo IBGE.

Uma projeção para 2007 indica que o Brasil, com uma população, hoje, de 188,7 milhões de habitantes, teria 139,24 milhões de católicos e 43,64 milhões de evangélicos – 28,8 milhões de pentecostais e 14,8 milhões de evangélicos tradicionais.

“Esses dados são surpreendentes até para o Vaticano, onde se tinha como certo que os católicos eram de 67% da população brasileira. Posso assegurar que são 73,79%. Houve reação do catolicismo nesta década”, diz Marcelo Néri (Valor 03/05/2007), p. A4). 

FÉ FRAGILIZADA

No encontro do Papa Bento XVI com os Bispos do Brasil na Catedral da Sé em São Paulo, em seu discurso de 11 de maio de 2007 disse: 

“Entre os problemas que afligem a vossa solicitude pastoral está, sem duvida, a questão dos católicos que abandonaram à vida eclesial. Parece claro que a causa principal, dentre outras, deste problema, possa ser atribuída à falta de uma evangelização em que Cristo e a sua Igreja estejam no centro de toda explanação. As pessoas mais vulneráveis ao proselitismo agressivo das seitas – que é motivo de justa preocupação – e incapaz de resistir às investidas do agnosticismo, do relativismo e do laicismo são geralmente os batizados não suficientemente evangelizados, facilmente influenciáveis porque possuem uma fé fragilizada e, por vezes, confusa, vacilante e ingênua, embora conservem uma religiosidade inata” (3).

No outro discurso do dia 13 de maio de 2007, na sessão inaugural dos trabalhos da V. Conferência Geral do Episcopado da América Latina e do Caribe, na sala de Conferencia do Santuário de Aparecida, o Santo Padre afirmou: “Percebe-se, contudo, certo enfraquecimento da vida cristã no conjunto da sociedade e da própria pertença à Igreja Católica, devido ao secularismo, ao hedonismo, ao indiferentismo e ao proselitismo de numerosas seitas, de religiões animistas e de novas expressões pseudo-religiosas” (4).

O fenômeno das seitas para Igreja Católica é o grande desafio para sua obra evangelística. A Igreja se defronta com ataques violentos das seitas. Hoje o ataque vem com a alta tecnologia dos meios de comunicação, internet e grandes editoras. Para lutar contra a Igreja forma até partidos políticos e financiam converções de pessoas influentes. Daí devemos alertar, instruir e conscientizar o povo católico dessa engenhosa armação!

“Instruir o povo amplamente, com serenidade e objetividade, sobre as características e diferentes das diversas seitas e sobre as respostas às injustas acusações contra a Igreja” (Documento Santo Domingo, n. 141).

O Documento de Santo Domingo (CELAM, 12/10/1992), se manifestou sobre o terrível perigo atual das seitas:

“O problema das seitas adquiriu proporções dramáticas e chega a ser 
verdadeiramente preocupante, sobretudo pelo crescente proselitismo”(n. 139).

O Papa João Paulo II tinha consciência do perigo das seitas em afirmar: “Certamente a expansão de seitas ‘constitui uma ameaça para a Igreja Católica...’ (RM,50)”. 

O Santo Padre disse que na Conferencia de Santo Domingo em outubro de 1992, ficou claro para os bispos o seu perigo:

“O Documento final descreveu com clareza e precisão essas seitas e movimentos, mostrou suas características e modos de atuar, deixou claro os interesses políticos e econômicos envolvidos na sua expansão em todos os continentes... (Conclusões do IV CELAM nn. 139 152)”.

Diante desse problema sectarista qual é a resposta?

Quem responde é o Papa Bento XVI. Na época era o Cardeal Joseph Ratzinger, Prefeito da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé.

“A resposta mais radical às seitas passa através “da descoberta da identidade católica: é preciso uma nova evidência, uma nova alegria, se posso dizer, é preciso mesmo um novo ‘brio’ (que não contradiz a indispensável humildade) de sermos católicos. Deve-se lembrar, além disso, que esses grupos atraem também porque propõem às pessoas, sempre mais sozinhas, isoladas e inseguras, uma espécie de ‘pátria da alma’, o calor uma comunidade. É justamente esse calor, essa vida que, infelizmente, parece falar frequentemente entre nós: onde as paróquias, esses núcleos básicos irrenunciáveis, souberam revitalizar-se, oferecendo o sentido da pequena Igreja que vive em união com a grande Igreja, ali os sectários não puderam se estabelecer de modo significativo. A nossa catequese, além disso, deve desmascarar o ponto sobre o qual insistem esses novos ‘missionários’, isto é, a impressão de que a Escritura é lida por eles de modo ‘literal’, enquanto os católicos a teriam enfraquecido ou esquecido. Essa literalidade é frequentemente a traição da fidelidade. O isolamento de frases individuais e de versículos desvia, faz perder de vista a totalidade: lida no seu conjunto, a Bíblia é realmente ‘católica’. Mas é preciso que isso seja demonstrado através de uma pedagogia catequética que habitue à leitura da Escritura na Igreja e com a Igreja” (5).


O QUE É SEITA?

O teólogo Dom Estêvão Bettencurt,OSB, diz que “uma seita (vem de sectário é uma dissidência ou um grupo fechado que julga estar o mundo corrupto, e pretende ter a verdade como patrimônio seu e solução para todos os problemas da humanidade. Os membros das seitas são geralmente submetidos a um regime autoritário, imposto por um líder “iluminado” que lhe dificulta o senso crítico”. 

A multiplicação de seitas em nossos dias se explica, em grande parte, por duas causas:

1) O Individualismo subjetivismo e relativista da mentalidade moderna a partir de Martinho Lutero (século XVI );
2) A insegurança do homem contemporâneo, que sente angustia diante da crise da sociedade e se dá por feliz, quando alguém, em nome de Poder Superior, o acolhe e lhe propõe certezas e garantias (ainda que fantasiosamente fundamentadas) (6).

O doutor em Ciências Sociais Giorgio Paleari define assim: “Em seu sentido originário, seita representa um grupo que contexta uma doutrina ou uma estrutura eclesiástica e, como tal, constitui-se numa dissidência”.

Diz mais: “Todo movimento religioso minoritário pode ser definido como seita”.

A teologia tomou essa palavra emprestada da língua latina. Ela significa, antes, uma maneira de seguir um mestre e, sucessivamente, revestiu-se de um significado de recusa e de separação, afirma Paleari (7).

Portanto, a seita é um ajuntamento de crentes que acreditam cegamente nos ensinos de seu líder. Este é tido como iluminado, profeta, guru, santo, etc.

A seita nasce de um cisma provocado por heresias, poder, dinheiro, luxúria e loucuras.

É visível no arraial das seitas o fanatismo, intolerável, proselitismo e fechamento. 

SEITA E A IGREJA

O renomado teólogo John Vander Ploeg, O.P., doutor em teologia e doutor em Sagrada Escritura e membro da Academia Real de Ciências da Holanda afirma magistralmente: “Nosso Senhor não fundou uma seita, mas a Igreja que é a Universal, isto é, Católica” (8).

Quem, primeiramente, tentou uma definição de seita, relacionada ao contexto social, em contraposição ao termo Igreja, foi sociólogo alemão, Max Weber. Ele define Igreja como sendo uma Instituição de Salvação, e seita, como um grupo dissidente mais rígido e fechado. Seus adeptos devem ter comportamento exemplar. Desviar-se do modelo de comportamento que a seita impõe comporta na expulsão do grupo religioso. (cf. Weber, Max. “Tipos de Comunidade Religiosa”. In: Economia Y Sociedad. México, Ed. F. Perez Alvarex, 1964). 

Tamanha diferença existe entre seita e a Igreja de Cristo. Esta conduz a salvação, aquela à perdição. 

A Santa Igreja Católica foi fundada uma única vez pelo Redentor e Salvador Jesus Cristo, a seita foi e é fundada sempre por homens pecadores, egoístas e de moral duvidosa. 

A Igreja do Deus vivo é coluna e sustentáculo da verdade (1 Tm 3,15), a seita do deus deste mundo (2 Cor 4,4) é coluna de areia e sustentáculo de falsas promessas.

“A Igreja é comunhão no amor. Esta é sua essência e o sinal através do qual é chamada a ser reconhecida como seguidoras de Cristo e servidora da humanidade” (DA n. 161).

Na seita não existe comunhão e sim um ajuntamento por meio do medo e da chantagem emocional pregada pelo líder. Aqui está assência das seitas. O líder ajunta e pela ‘prisão mental’ os sectários seguem e servem somente a seu grupo e ao líder. O individualismo e o descaso com as questões sociais, são características principais das seitas. 

A nossa missão é ser fiel a Cristo e a sua Igreja.

O Doutor da Igreja São João Crisóstomo e exortava: “não te afaste da Igreja: nada é mais forte do que ela. Ela é a tua esperança, o teu refúgio. Ela é mais alta que o céu e mais vasta que a terra. Ela nunca envelhece”.

CONCLUSÃO

Só a Igreja Católica tem um brilho único, uma beleza única, uma riqueza de santos única e um Deus único verdadeiro para uma indefectível Igreja única, fiel e verdadeira Esposa Imaculada do Esposo glorioso e Imaculado.

Essa Igreja guiada na luz do Divino Espírito Santo, nunca vacilou e jamais vacilará. Dizia Santo Agostinho, Doutor da Igreja e Bispo de Hipona, no Norte da África: “Vacilará a Igreja se vacila o seu fundamento, mas poderá talvez Cristo vacilar? Visto que Cristo não vacila, a Igreja permanecerá intacta até o fim dos tempos”.

“Esta é a única Igreja de Cristo, que no símbolo professamos uma, santa católica e apostólica, e que o nosso Salvador, depois de sua ressurreição, confiou a Pedro para que ele a apascentasse (Jo 21,17), encarregando-o, assim como os demais apóstolos, de difundirem e de a governarem (cf. Mt 28, 18-20), levantando-a para sempre como “coluna e esteio da verdade” (1 Tm 3,15). Esta Igreja como sociedade constituída e organizada neste mundo, subsiste na Igreja Católica, governada pelo sucessor de Pedro e pelos bispos em comunhão com ele, ainda que fora do seu corpo se encontrem que, na sua qualidade de dons próprios da Igreja de Cristo, conduzem para a unidade católica” (Constituição Dogmática Lúmen Gentium, nº. 8).

“Sem mancha alguma, brilha a Santa Madre Igreja nos sacramentos com que gera e sustenta os filhos; na fé que sempre conservou e conserva incontaminada; nas leis santíssimas que a todos impõe, nos conselhos evangélicos que dá; nos dons e graças celestes, pelos quais com inexaurível fecundidade produz legiões de mátires, virgens e confessores. Nem é sua culpa se alguns de seus membros sofrem de chagas ou doenças; por eles ora a Deus todos os dias: “Perdoai-nos as nossas dívidas” e incessantemente com fortaleza e ternura materna trabalha pela sua cura espiritual”. (Papa Pio XII, Encíclica Mystici Corporis, 65).

Não temos palavras para descrever a felicidade de sermos católicos.

É imensurável essa graça, esse amor e fé à Santa Igreja Católica Apostólica Romana.

Tudo para glória, louvor, honra e adoração a Santíssima Trindade.


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Pe. Inácio José do Vale
Pároco da Paróquia São Paulo Apóstolo
Professor de História da Igreja
Faculdade de Teologia de Volta Redonda
Email: pe.inaciojose.osbm@hotmail.com


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REFERÊNCIAS E BIBLIOGRAFIAS

(1) Pergunte e Responderemos, abril de 2007, p. 154.

(2) Pergunte e Responderemos, fevereiro de 2007, p. 366.

(3) Conferência Nacional dos Bispos do Brasil / Pronunciamentos do Papa Bento XVI no Brasil. Brasília: Edições CNBB, 2007, p. 30.

(4) Idem, p. 63.

(5) Ratzinger, Joseph. A fé em crise? O Cardeal Ratzinger se interroga / Joseph Ratzinger, Vittorio Messori, São Paulo: EPU, 1985, p. 87.

(6) Pergunte e Responderemos, n. 417 / 1997, p. 56.

(7) Paleari, Giorgio, Religiões do Povo, São Paulo: AM Edições, 1990, p. 86.

(8) Rifan, Dom Fernando Áreas. O Magistério Vivo da Igreja, orientação pastoral, Campos-RJ: 2007, p. 48. 

Alves, Rubem. Protestantismo e repressão. São Paulo: Ática, 1979.

Monteiro, Douglas Teixeira. “Igrejas, seitas e agências: aspectos de um ecumenismo popular”. In: Valle, Edênio e Queiroz, José. A cultura do Povo. São Paulo: Cortez e Moraes / EDUC, 1979.

Weber, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. Brasília: UnB, 
1981.
Aquino, Prof. Felipe. Falsas Doutrinas-seitas e religiões, 7ª / ed. – Lorena: Cléofas, 2006.

Oliveira, Raimundo de Seitas e heresias, um sinal do fim dos tempos, 32ª ed. – Rio de Janeiro: 2007.

Documento de Aparecida. Texto Conclusivo da V Conferencia Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe. 2ª ed. – Edições CNBB, Paulinas e Paulus: 2007.

Vam Baalem, J.K. O Caos das Seitas. São Paulo: Imprensa Batista Regular, 1970.